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Quem nunca ouviu dizer que os brasileiros são um povo pacato? Esse adjetivo geralmente é autoconferido, mas também é muito utilizado pelas comunidades internacionais, geralmente para se referir à apatia por nós demonstrada quando da adoção de políticas públicas contrárias aos interesses populares. Mas isso não é pacificidade, é letargia. É ausência de movimento, quando ele deveria se fazer presente. Ignoramos que existe um outro lado dessa história que demonstra justamente a ausência de pacificidade: os altos índices de violência, medidos pelo número de homicídios por mil habitantes. E, para corroborar a constatação, os absurdos números de homicídios contra LGBTI+ (lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais, intersexuais e outras identidades de gênero e sexualidade).
Quando uma cidade do interior como a nossa Santa Maria apresenta dois homicídios de transexuais em um mesmo final de semana, isso obviamente nos põe a refletir. Por certo ainda é cedo para se afirmar que efetivamente esses crimes foram motivados por preconceitos, mas outros tantos o são e não podemos fechar os olhos para esta realidade. Pesquisas realizadas por organizações não governamentais internacionais, com a colaboração de entidades internas, apresentaram, em 2017, dados alarmantes: o Brasil vem liderando por sucessivos anos o ranking mundial de homicídios de transexuais e os casos vêm crescendo vertiginosamente. Só entre 2016 e 2017 o número aumentou em 127%, segundo os dados divulgados pelo Atlas da Violência de 2019.
Embora muitos questionem a fidedignidade dessas informações, já que não há no país uma política clara relacionada ao registro e tratamento desses dados, gerando estatísticas imprecisas e incompletas, a realidade é o que o discurso de ódio e, para além, as ações de ódio, estão claramente presentes em nossa sociedade e parece que não têm sido vistos como as verdadeiras aberrações que são. Há uma infeliz aparência de normalidade.
Parece-nos que, apesar da história evoluir gradativamente, primeiro descriminalizando a sodomia e, num passado mais próximo, afirmando que "todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza", a essência humana ainda está distante de entender o conceito de alteridade, que vai muito além da noção de colocar-se no lugar do outro, alcançando a ideia de respeitar o outro pelo que ele é, pelas suas escolhas, pelas suas características, pelo seu gosto, pela sua orientação sexual. Não me sinto capacitada a apontar qualquer solução para enfrentar essa nefasta essência humana, que subjuga, exclui e maltrata aquele que considera diferente de si, mas posso afirmar com certeza que estamos distantes de ostentar o adjetivo de povo pacato. Somos um povo de muita e diversificada violência gerada, no mais das vezes, pelos abundantes tipos de discriminações que permeiam nossa sociedade.
Da pretensa censura de livros na Bienal do Rio à agressão física por parte do motorista de ônibus em São Paulo a passageiros homossexuais e ao assassinato de pessoas transexuais em Santa Maria, tudo perpassa pelo preconceito. Até quando? Seremos um dia verdadeiramente "pacatos"?